Voltei a assistir Simpsons

Laís Webber
3 min readJul 16, 2024

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A senha de um novo streaming pago pelo meu cunhado foi salva no meu computador e eu pude, inesperadamente, voltar a assistir Simpsons. Trinta e tantas temporadas com dezenas de episódios de vinte minutos cada. Vinte minutos de desenho: perfeito para assistir antes de dormir ou durante um almoço sozinha em casa. Ver em ordem, desde o primeiro episódio naquele misto de tranquilidade em saber que não vou ficar horas procurando o que assistir e de medo de rever um desenho que sempre disse ser o meu preferido.

Quando eu era criança ou adolescente, ali pelos treze anos, eu almoçava todos os dias assistindo Simpsons no SBT com meu irmão. Nós dois aquecíamos nossos pratos no micro-ondas e sentávamos no quarto dele para assistir. Depois do desenho, vinham os hoje clássicos Um maluco no pedaço, com as mudanças de atores como se nada tivesse acontecido; Eu, a patroa e as crianças; e Todo mundo odeia o Chris. Acho que os seriados, como chamávamos, não passavam todos na mesma época, foi um, depois o outro. Mas eu lembro bem de sentar na cama, colar os calcanhares na bunda e apoiar o prato no espaço entre os joelhos e o peito para poder usar as duas mãos para comer enquanto via TV.

Até hoje eu sento exatamente assim aqui em casa quando pedimos pizza e comemos vendo filmes.

Olhando pro passado, me parece especial a ideia de que eu e meu irmão fizéssemos isso juntos, mesmo cada um tendo a sua televisão de tubo 14 polegadas no quarto. A gente se identificava bastante com os irmãos dos Simpsons, embora fossemos muito mais amigos que o Bart e a Lisa.

Eu ganhei um jogo de lençóis dos Simpsons do meu primeiro namorado e minha mãe ainda guarda/usa ele no quarto que era meu. Eu sempre quis aquelas pantufas em que tu enfiava o pé na boca do Homer, mas nunca encontrei nas lojas para comprar.

Agora eu estou recém na segunda temporada e minha primeira surpresa é que hoje, tenho a mesma idade da Marge, 34 anos. Eu nunca prestei muita atenção na Marge, mas, nas últimas semanas, tenho sorrido com as escolhas que ela faz. A gente tem a mesma idade e vidas tão diferentes e mesmo assim consigo me identificar com tantas coisas que ela diz.

Eu estou achando os Simpsons um desenho fofo, com finais carinhosos e com críticas precisas. Eu fico feliz que esse ainda é meu desenho preferido e que mesmo que as coisas mudem e um tanto pareça completamente novo, tem coisas que podem ser boas vinte anos depois.

Não aprendi a tocar saxofone como a Lisa, mas parei de comer carne.

Ano passado, fui a uma mesa redonda na Feira do Livro e alguém perguntou ao José Falero como ele fazia para escrever suas crônicas, como ele planejava. Ele disse que não planejava, que ele começava sem saber no que ia dar. As preferidas, segundo ele, eram aquelas que ganhavam vida e tomavam rumos completamente diferentes do esperado. Tentar começar a escrever sem pensar no final tem me feito bem e foi isso que eu fiz nesse texto. Um texto bobo que nem sei se gostei. Mas um exercício de escrita importante: simplesmente escrever e dar chance de algo surgir em meio a tantos pensamentos.

Relendo antes de enviar, me dei conta que tem algo a mais aí além do desenho reassistido vinte anos depois. Durante toda essa tragédia das enchentes, ouvi quase todos os dias que voltar a trabalhar e retomar a rotina e a capacidade de produzir eram sinais de estar voltando aos eixos, de estar lidando com o sofrimento e que precisávamos disso. O foco tem que ser mesmo esse? Talvez estar conseguindo assistir a um desenho animado antigo por vinte minutos e me sentindo feliz, rindo das mudanças e das permanências valha muito mais. Talvez.

Este texto foi enviado na minha newsletter, Faz Sentido?. Envio textos mensalmente por lá (às vezes alguns links vão junto) e, um tempinho depois, eles vêm pra cá. Então este é o #28 Faz sentido falar de desenho animado? enviado em junho. Clica aqui para receber por email.

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Laís Webber

Jornalista e Professora e tudo isso é só uma pequena parte.