tempo é como fumaça que se vai aos poucos

Laís Webber
2 min readOct 28, 2022

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Eu tinha 13 anos, era sexta-feira, dia da minha primeira festa da vida, dessas de comprar ingresso e estar em meio a desconhecidos. Fomos eu e a minha melhor amiga com nossas blusas de suplex no corpo e Melissa plataforma nos pés. Era num clube de Porto Alegre e tinha show do Armandinho, ainda com dreads, e da Comunidade Nin Jitsu, antes do Mano Changes entrar pro PSDB. Era 2003 e Lula era presidente.

No sábado, acordei na casa da minha amiga. Almoçamos na cozinha comentando a festa, voltamos para o quarto e, sentadas no chão com as pernas tortas para trás, brincamos de Barbie.

Foi a última vez que brinquei de Barbie.
Mas não foi o fim da minha infância.
Tem coisas que não terminam num estalo, se diluem no tempo até sumirem aos poucos.

Eu não sabia que nunca mais sentaria naquele chão e ficaria impressionada com como os pés das bonecas dela eram inteirinhos, enquanto os das minhas eram destruídos pelos meus dentes volta e meia.

A gente percebeu o paradoxo dos 13 anos. A gente comentou sobre o medo de alguém descobrir que, depois da festa, vieram as bonecas. Mas a gente brincou, mesmo com medo.

O bonito é que a gente teve vergonha dos outros, mas a gente não teve vergonha uma da outra. Eu não sabia ainda, mas seríamos sempre nós duas contra o mundo passando de uma fase para outra da vida.

Tem coisas que demoram mais a acabar e aquelas que acabam ligeiro.
Tem coisas que precisam acabar mesmo sendo boas
Tem coisas que precisam acabar porque não são boas sob aspecto nenhum
Mas o que importa mesmo é quem está com a gente vivendo tudo isso
e que tudo acaba um dia

Éramos nós duas, juntas. Somos nós, juntas.

não vai ser em um domingo, em um estalo, que tudo vai mudar e que tudo vai passar
tempo é como fumaça que se vai aos poucos
não foi naquele sábado que minha infância acabou
o tempo do horror vai acabar também, mas a gente não vai saber que hoje é o último dia até que seja ontem

por isso a gente vai seguir lutando na segunda e na terça-feira e todos os dias que virão.
mas um pouco mais leves: eu vou ter quase 33 anos, vou acordar em um domingo de janeiro e Lula vai ser o presidente outra vez.

Este texto foi enviado na oitava edição da minha newsletter, Faz Sentido?. Envio textos mensalmente por lá, junto com alguns comentários ou links relacionados, e, um tempinho depois, eles vêm pra cá. Então este é o #8 Faz sentido durar para sempre? Clica aqui para receber por email.

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Written by Laís Webber

Jornalista e Professora e tudo isso é só uma pequena parte.

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