Oitavo ano
Em 2003, eu estava na oitava série. Há vinte anos, a gente ainda chamava de série as etapas do Ensino Fundamental, e, como boa senhora, tenho que pensar duas vezes antes de dizer ano. Neste mês de agosto, dei aula para o oitavo ano pela primeira vez. Só um mês, professora estagiária, mas eu estava lá, ouvindo meu vocativo preferido: sora!
A turma em que estudei ganhava o título de a pior turma da escola e eu achava que aquilo não fazia muito sentido. Eu não tinha referência alguma de como eram outras turmas, aquela era a minha desde o Jardim B e estava prestes a deixar de ser. 2003 foi meu último ano na pequena escola de freiras. O ensino médio foi numa das maiores escolas públicas de Porto Alegre e eu nem imaginava como aqueles três anos mudariam minha vida para melhor.
A turma que eu dou aula leva o título de uma das melhores turmas da escola. Não a melhor, mas quase. Eles são minha única turma ali, então sigo sem referência de melhor e pior que quem afinal? Apesar de esses vinte anos terem me mostrado muita coisa que me ajuda a entender a comparação, me recuso a aceitá-la.
A minha escola, como punição, cancelou a nossa formatura do ensino fundamental. Anulou nossas conquistas. Escolheu dar destaque aos nossos “desvios” de comportamento. Eu achava que me comportava bem, mas isso não fazia diferença nenhuma.
O oitavo deixou de ser o último ano do ensino fundamental. Agora os alunos têm celular com acesso à internet, eu tinha um 5125 dividido com meu irmão personalizado com miçanguinhas na tela. Vinte anos de mudanças, mas ainda são pessoas de treze anos com milhões de inseguranças e carências e um potencial enorme. Um potencial enorme. Enorme.
A escola tem o poder de fazer a gente acreditar.
Que a gente é o pior que há
Que a gente é (quase) o melhor que há
Que gente é incrível demais independentemente de comparações.
Eu fico com a última opção.
Hoje é meu último dia com a turma 82, meu último dia com a Ana Lia, a Naiara, o Andrei, o João Gabriel, o Pedro, a Camila, o Ícaro, o Vitor, a Fê, o Nicolas, o Lorenzo, a Janis, o João Vitor e o Matheus. E eu não posso abrir mão do clichê: aprendi muito mais com eles do que eles comigo. Vou sentir mais saudade desse oitavo ano do que da minha oitava série.
Este texto foi enviado na minha newsletter, Faz Sentido?. Envio textos mensalmente por lá e, um tempinho depois, eles vêm pra cá. Então este é o #18 Faz sentido a escola nos fazer acreditar? enviado em agosto. Clica aqui para receber por email.