Ode à correria
O corpo para
o corpo buga
como se fosse uma máquina
como se fossemos muitas máquinas
como se eu fosse um ser preso em uma esteira que acelera cada vez mais
presa, sou obrigada a correr mais rápido dentro de alguma máquina que não faz sentido algum para mim
pressa para quê?
presa por quê?
e quando for urgente de verdade?
não tenho mais pernas, diz a expressão
nem braços para abraçar tudo
mas todos sorriem quando respondem:
— tá tudo bem, fora a correria
— estamos sempre correndo, normal
sorriso por se identificar?
sofrimento coletivo não é ausência de sofrimento, é epidemia
doença das pernas curtas
do final de semana pequeno
da tendinite e da dor de cabeça
do resfriado que se transforma em pneumonia naquelas pessoas que não podem adoecer agora porque têm muita coisa para fazer
agora não, nem agora, menos ainda agora
não existe amanhã, só ontem
tudo para ontem e nem sei mais quem grita que é normal
dorflex durante a semana e álcool no final dela
bonito beber vinho enquanto escreve a dissertação
bonito acordar às cinco da manhã pra fingir que dá conta
bonito chegar em casa e ter que continuar
continuar eternamente aquilo de que não se deu conta
não rendeu porque o cansaço atrapalhou
a produtividade está atrapalhando o meu cansaço
as pernas curtas querem ser colocadas para cima e segurar no colo aquele livro que quer ser lido sem pensar em qual a utilidade
onde pode se encaixar
que outra coisa deveria estar sendo feita
justifica rápido para si mesma
qual a prioridade não me importa.
me importa a calma de poder sentir antes de fazer
não digo nem pensar porque pensar já faz doer e cadê meu dorflex porque hoje é segunda e eu desliguei o despertador de manhã ignorando tudo isso e agora já é noite e a tela do meu computador precisou continuar acesa
meus joelhos já estão ralados de cada tombo que levo ao tentar pular da esteira e pisar no chão.