O vizinho mais gente boa da vizinhança

Laís Webber
2 min readJan 16, 2024

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Entre os inquilinos, eu sou uma das moradoras mais antigas do meu edifício. Apenas quatro anos e meio morando no terceiro andar desse prédio com elevador e sem portaria e já estou batendo o recorde. Informações do Fernando, o zelador.

Poucos vizinhos tomam a iniciativa de me cumprimentar. Mas eu insisto nos bom-dias e tudo-bons cada vez que eu vejo qualquer pessoa circulando pelos corredores. Nomes eu sei pouquíssimos. Semana passada perguntei o nome do vizinho de baixo e ele pareceu surpreso ou constrangido, mesmo eu tendo descido correndo depois que ele tocou meu interfone pedindo ajuda por ter se trancado para fora de casa. No próximo encontro, vou forçar a amizade: “Bom dia, Fábio, tudo bem?”.

Esses dias, chegou um vizinho novo com a esposa, eles moram do outro lado da rua. Na terça eu vi eles estendendo roupa; na quarta, organizando uns pequenos móveis; na quinta, quando eu saía para trabalhar, escuto em alto e bom som: “bom dia, vizinha!”. Torço o pescoço já sorrindo enquanto ele me abana e respondo: “bom dia, tudo bom?”. Ele consente com a cabeça e eu nem paro de caminhar. Ele me chamou de vizinha e eu penso que o objetivo do cumprimento é mostrar que é gente boa, como eu faço com o Fábio e com a moça do 304 que começou a me dar um leve sorriso. Na sexta, vejo o vizinho gente boa ajudando uma senhora com a mudança: “Como é pesado esse fogão, Dona Maria”, dizia sem soltar.

Eu sempre encontro com ele na frente de um prédio enorme, com saída pela minha rua e pela rua de trás, um prédio que ocupa boa parte da vista da minha janela. O vizinho mais gente boa que eu conheço mora ali com a esposa: na calçada desse prédio, com as lonas amarradas na grade do portão que não é aberto há pelo menos quatro anos e meio, já que todos os apartamentos estão vazios e os moradores são os urubus que entram pelas esquadrias sem vidro.

Este texto foi enviado na minha newsletter, Faz Sentido?. Envio textos mensalmente por lá e, um tempinho depois, eles vêm pra cá. Então este é o #22 Faz sentido morar ali? enviado em dezembro. Clica aqui para receber por email.

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Laís Webber

Jornalista e Professora e tudo isso é só uma pequena parte.