não dá pra evitar amar pra evitar doer

cresci no sitio, vivi lá dos meus seis anos até poucos anos atrás. a felicidade disso é ter consigo muitos animaizinhos cheios de amor, a dor disso é que ter muitas vidas por perto aumenta a chance de perdê-las.

quando eu era pequena, meu pai tentou esconder de mim as primeiras mortes, a Pônei ele disse que tava pastando no campo de um amigo, mas nunca queria me levar pra visitar. eu descobria e sentia raiva e tristeza misturados.

a cada perda, eu prometia a mim mesma não me aproximar da próxima égua, da próxima ovelha. a Rosinha foi a primeira vaca da minha vida e eu nunca mais amei outra. Eu tinha um amor gigante por ela, uma vez um moço veio aparar os chifres e eu guardei as pontinhas na numas gavetinhas em forma de casa de boneca. É capaz de ainda estarem lá no meu quarto na casa dos meus pais, no Sítio.

Quarta, um bichinho que eu amo demais simplesmente se foi, sem aviso prévio. sexta, outro que eu amo tanto quanto também. Eu quebrei minha promessa nos últimos anos, não sei se, por não morar mais lá, eu achei que tava livre ou se porque elas eram simplesmente irresistíveis.

Nada supera a delícia de apertar as bochecas da Pink. Abraçar o pescoço da Tieta esquenta o coração.

Dói demais a perda. Dói demais pensar no sofrimento dos meus pais perdendo duas companhias de todos os dias. Meudeus o alívio que era ver elas correndo na tua direção e abraçar cada uma. Não tinha como não sorrir. Todo mundo sorria.

Dói demais. Eu ainda me pego pensando nas mais de 300 mil mortes no país e pensando na dor absurda que é tudo isso quando tudo é morte. Não é um número, é alguém que tu consegue sorrir ao lembrar e instantes depois chorar de saudade. Não é só multiplicar. Dor não se mede e sofrimento não se compara. Os meus estão confusos agora.

é a lua é o sol é a luz

Escrevi esse texto em março de 2021. Encontrei agora nos rascunhos, acho que não tive forças para publicar na época.