minha casa tinha nome

Laís Webber
3 min readSep 16, 2022

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Eu cresci numa casa que tem nome. Era uma casa diferente da de todo mundo. Ela tinha teto e tinha chão. Não teve forro por um tempo, mas eu amava enxergar as panelas da cozinha por cima da parede. Cresci tendo a minha vaca, que foi super significativa pra mim esse ano, a Rosinha. Tive a Pônei, o Zambi, o Tiririca, o Batatinha e muitos nomes de cavalos que vocês cansariam de ler. Nunca pensaria que cavalos têm tanta personalidade se não os visse pela manhã. Teve a Betinha, cabritinha branca e linda, o Godofredo, que era um ganso que me dava medo. As araras que prefiro nem falar. O Chico, ô porquinho que corria. Enfim. Minha casa tinha nome e era diferente.

Saí de lá esse ano, queria muito, muito. Sair de uma casa igual a de todo mundo e ir para outra idêntica, mas tua, já é uma mudança. Sair de uma casa com nome para ir para uma padrão é outra coisa. Hoje eu não moro com vacas ou com seis cachorros cheios de amor. Eu moro com o Muriel, um boldo, dois cactos, um copo de leite, duas capuchinhas e muitos outros seres vivos que ficam em vasos. Todos eles (quase) vieram da minha primeira casa. O Muriel não, não vive em vasos, embora tenha caído no do banheiro ontem, ele não veio de lá.

Uma mudança linda disso é como eu passei a olhar de um jeito diferente pra lá. Talvez parecido ao modo como olhava quando criança. Tenho saudades dos animais, principalmente do Elvis, da Rita, da Susie, da Leo, da Duda e do Marronzinho, que sempre que chego lá preciso lembrar que não vive mais. Ele tinha lindos olhinhos de mel.

Agora tudo parece mais bonito. Essa casa que tem nome vem bem colorida na minha imaginação, cheia de sol, de roxos no joelho, de correr, de fazer fofoca sentada no balanço, de jogar caçador, de tomar chimarrão na horta e de comer bergamota sentadinha na cerca do pomar. Vem com cheiro de poeira, com textura de baba de cachorro nas canelas e de mãos marrons de fazer carinho depois deles rolarem por aí.

Vem com gosto de lasanha da mãe, com som de sino pro almoço, som do pai comentando o filme do quarto, de bala de banana roubada do serviço de bordo da agência. Com cheiro de chocolate de bolo, de chuva. Com barulho de criança correndo, de cachorro latindo, de papagaio chamando, e sim, de funk do vizinho na madrugada.

Vem com barulho de mãe mexendo nas panelas de manhã, de apito do micro-ondas do meu café na cama, de serra no pátio, de passos de bichos no telhado, de “Mauri faz silêncio que a Laís tá dormindo”, de “Ai quem é esse carro que chegou no meio do filme”, de “Caio não vai quebrar as lajotas”. Vem com aquela gargalhada sonora da minha mãe e com os olhos cheios de lágrima do pai, de emoção, não de tristeza.

Essa casa é o Sítio do Mato e lá estão muitos dos meus anos mais felizes e as pessoas que eu mais amo nesse mundo.

Escrevi esse texto em dezembro de 2016. Em julho daquele ano, eu havia saído do Sítio para morar sozinha. Pesquisando em meio aos textos, buscando escritas relacionadas com os bichos que amo, encontrei este.

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Written by Laís Webber

Jornalista e Professora e tudo isso é só uma pequena parte.

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