Faz sentido ser produtiva agora?
De repente me peguei com um termômetro no sovaco e um texto acadêmico no colo. Enxergava, no mesmo quadro, a ponta do termômetro e um texto de semântica com algumas frases marcadas com marca-texto verde; um parágrafo longo lido e relido diversas vezes pela dificuldade de concentração […]
A marca do termômetro foi trinta e sete, trinta e seis vírgula alguma coisa acima de cinco. Se fosse um pouquinho mais alta, como ontem e anteontem, o texto não estaria no colo, mas a preocupação com a leitura continuaria aqui. […]
Tive que dizer, mais de uma vez, que não podia trabalhar, mas não adiantou. Não fui à universidade, mas não adiantou. As coisas vão continuar e tudo se acumula sobre mim. Já sinto o peso dessa gelatina sobre meus ombros que, aos poucos, me espreme dentro dela, começando pela minha cabeça.
Demandas colocadas a postos para me atropelar assim que eu voltar.
Nada para quando a gente não está bem e aí como é que a gente faz para deixar o corpo saudável outra vez?
Parar corpo e cabeça e fazer tudo ir mais d e v a g a r. Tem como?
Surra que vem no corpo.
Quanto tempo vou levar para começar a descansar depois que as férias começarem?
[trecho do caderno que uso como diário, escrito há poucas semanas]
cada vez mais nomes para diagnosticar a exaustão
cada vez mais doentes de tanto produzir, remuneradamente ou não
entro de férias nos próximos dias e repito mentalmente que as férias NÃO precisam ser produtivas. não aproveitar as férias para nada. simplesmente aproveitar ponto.
aproveitar as férias
para (não) fazer aquela limpa no guarda-roupa
para (não) doar livros
para (não) fazer um faxinão
para (não) colocar leituras da universidade em dia
para (não) reorganizar os armários da cozinha
para (não) encontrar todas as pessoas que não pude em dezembro
chego no final do ano farta das metas e farta do retrabalho
é preciso descansar e desligar urgentemente
mas quando for preciso voltar é urgente repensar as pressões que colocamos nos ombros alheios e a forma como lidamos com as que são colocadas em nossos ombros.
não, não é uma escolha pessoal e individual viver sobrecarregada ou não. mas a gente pode escolher se rebelar contra, tentar lidar diferente, não romantizar a sobrecarga e o cansaço.
eu sinto como se vivêssemos em uma competição onde quem ganha é quem estiver mais exausta e dando conta de um número maior de coisas independentemente de como estiver por dentro.
eu não quero competir, eu quero colaborar
e, agora, eu só quero dormir mesmo!
Este texto foi enviado na décima edição da minha newsletter, Faz Sentido?. Envio textos mensalmente por lá e, um tempinho depois, eles vêm pra cá. Então este é o #10 Faz sentido ser produtiva agora? enviado em dezembro. Clica aqui para receber por email.