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Faz sentido entrar em uma máquina do tempo sem poder interferir no passado?

2 min readMay 2, 2025

Qual a graça de viajar em uma máquina do tempo sem poder interferir no passado?
O resto todo mudaria? Acho que sim, mas não seria esse o objetivo?
O que tu mudaria no passado?

Seria algo pensando na tua vida pessoal, em ficar rico? Ou pensando nas pessoas próximas, em dar uma casa pra tua mãe? Ou em grandes acontecimentos, mudando a vida de estranhos?

Eu lembro de estar caminhando na feira orgânica da redenção, anos atrás, e sermos abordadas, minha mãe e eu, por pessoas que recolhiam assinaturas contra Bela Monte. A gente ouviu a explicação e assinou o papel. Já tínhamos visto algo sobre como aquilo era ruim. Compramos bananas e cebolas e fomos embora.

Ano passado, ganhei um livro de aniversário, Banzeiro Òkòtó, da Eliane Brum. Venho lendo simultaneamente a outras leituras desde então. Eliane escreve sobre Amazônia e sobre os seres que nela vivem e nela morrem. Como pode Belo Monte ter sido só uma pauta que vi por cima entre laranjas e tomates? Um papel assinado porque a floresta seria alagada? Muito foi afogado. A floresta é um universo inteiro.

Quando encontramos crianças com olhos de velho sabemos que um crime foi cometido, porque crianças não podem ter olhos de velho. Mas sempre que contei delas eu me referi ao olhar. Aquele olhar de quem já viveu várias vidas em apenas um punhado de anos, o olhar de quem viu mortes demais antes de sequer poder elaborar o que é a morte, o olhar de quem vive com medo de morrer antes de viver. O que vi no menino com nome de jogador de futebol é diferente. O menino tem rugas embaixo dos olhos. Eu nunca havia visto uma criança com rugas.¹

Penso no tanto que foi afogado na enchente em maio no Rio Grande do Sul e como basta estar minimamente afastado para não ser nada. Não dá pra sentir todas as dores do mundo, mas também não dá para, ao entrar na máquina do tempo, focar em mudar a própria vida.

A memória está sempre em disputa

A sensação de “nenhum futuro” tem como efeito subjetivo a invenção de passados para os quais seria possível voltar²

A memória está sempre em disputa

1 Trecho de Banzeiro Òkòtó, de Eliane Brum, página 222.
2 Trecho de Banzeiro Òkòtó, de Eliane Brum, página 247.

Este texto foi enviado na minha newsletter, Faz Sentido?. Envio textos mensalmente por lá (às vezes alguns links vão junto) e, um tempinho depois, eles vêm pra cá. Então este é o #34 Faz sentido entrar em uma máquina do tempo sem poder interferir no passado? enviado em março. Clica aqui para receber por email.

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Laís Webber
Laís Webber

Written by Laís Webber

Jornalista e Professora e tudo isso é só uma pequena parte.

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