Faz sentido encontrar alegria em um mesmo lugar?

Laís Webber
2 min readFeb 27, 2023

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Assisti a uma peça de teatro em que uma das personagens contava que, quando criança, gostava de segurar uma pedra em cada braço e caminhar em direção ao mar até afundar. Sentando ao fundo, abraçado nas pedras, observava os peixes e as algas balançando no ritmo da água e próximas a ele até que, em algum momento, ele deixava de ser um corpo estranho e passava a ser parte. Tornava-se mais um ser no fundo do mar.

Hoje, adulto, apenas a memória bastava, a personagem não tinha mais vontade de submergir. Eu tenho.

Vontade de estar dentro da água e, às vezes, no fundo. Vontade de ser parte mesmo que seja parte de mim mesma. Vontade de estar apenas ali, esperando o tempo necessário das coisas deixarem de ser estranhas. Apenas estar.

Eu aprendi a nadar depois dos vinte, nadei às vezes com mais constância, às vezes com menos, mas nunca deixei de nadar — até o isolamento social. Nos últimos anos, senti falta de estar flutuando sem contato com o mundo lá fora, senti falta de ter aquele tempo inteirinho para mim, senti falta de mexer o corpo não para ser saudável ou forte — apesar de também ser — mas, sim, de mexer o corpo para deslocá-lo levemente, para ter consciência de cada movimento e, no tempo em que estivesse ali, ter consciência apenas desses movimentos bem específicos.

Voltei. Três anos depois.

Piscina nova, professora nova, maiô novo.
Óculos arranhado trazendo as memórias de águas sabor cloro e das águas sabor sal.

Voltei com medo da expectativa imensa de poder sentir meu mundo de volta. Medo da frustração
Mas ela não veio.

Não precisei de mais que cinquenta metros de braçadas para me sentir no fundo do mar abraçada em pedras. Eu fazia parte de algo que nem sei o que é — acho que sou eu.
Uma parte que estava perdida, que tem calma nos dias, que é presença e paixão.

Na piscina, reencontrei tudo que procurava e mais. Lembrei da concentração necessária para realizar cada movimento, detalhes que o corpo esqueceu e eu precisei aprender de novo. Felicidade em achar natural e ao mesmo tempo difícil. Percebi que é exatamente essa concentração nos detalhes, em aprender, que eu amo.

Cem metros nadando crawl absurdamente concentrada em cada movimento do meu pé e absurdamente alegre a cada embalo que minhas pernas me proporcionavam na água.

Cem metros nadando risonha olhando para o céu distraída, pois nado costas continua tão inteirinho na lembrança dos meus músculos que minha mente pôde só observar.

Como é bom voltar e perceber que eu ainda estava lá
Como é bom aprender, de novo e de novo — aprender mesmo, o processo, não só a chegada ao ponto em que já sabemos.

Que bom que eu ainda posso mergulhar em mim sem me afogar.

Este texto foi enviado na décima primeira edição da minha newsletter, Faz Sentido?. Envio textos mensalmente por lá e, um tempinho depois, eles vêm pra cá. Então este é o #11 Faz sentido encontrar alegria em um mesmo lugar? enviado em janeiro. Clica aqui para receber por email.

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Laís Webber
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Written by Laís Webber

Jornalista e Professora e tudo isso é só uma pequena parte.

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