Faz sentido ainda ser ela?

Minha vó tá de aniversário. É a última dos quatro. Quando eu nasci, eram só três.

Três crianças chamam a vó de bisa, quando a criança era eu, era raro existirem bisas ainda presentes. Quantos avós tu tem? A gente perguntava entre os amigos na escola, sortudo o que tinha quatro, bisa ninguém.

Quando penso nos meus três, lembro de cada um na casa dos 60, 70 talvez. Lembro delas rindo, lembro do tom de voz. Lembro da mais magra cantando na igreja. Lembro da mais baixa servindo arroz demais no meu prato. Lembro dele colhendo uvas e me oferecendo carambola mesmo que eu sempre negasse.

Quando penso naquele um que já não existia mais em 1990, lembro de histórias divertidas sobre servir galeto cru e de uma foto bem bigodudo mexendo nas roseiras do quintal. Mesmo já morto, lembro dele bem vivo, forte e aproveitando o tempo por aqui.

Mesmo acompanhando minhas velhinhas diminuírem de tamanho e sumirem aos poucos, sei como elas eram enquanto eram elas mesmas.

Será que os três bisnetos vão lembrar da minha vó pelas histórias de brabeza, pela capa do CD que ela gravou com o coral ou vão ter congelada a imagem de uma bisa em silêncio, com as mãos fracas e ainda mais magra?

Não, bisnetos da vó, sinto dizer que, mesmo que ela os ame, se vocês nunca amassaram massa de pão com ela, vocês não a conhecem.

Feliz 87, vó.

Este texto foi enviado na décima segunda edição da minha newsletter, Faz Sentido?. Envio textos mensalmente por lá e, um tempinho depois, eles vêm pra cá. Então este é o #12 Faz sentido ainda ser ela? enviado em fevereiro. Clica aqui para receber por email.