Faz sentido a vida ter trilha sonora?
Mas pra fazer um samba com beleza é preciso um bocado de tristeza é preciso um bocado de tristeza se não não se faz um samba não. Não sou sambista, mas basta a palavra tristeza bater no peito para essa música surgir na minha cabeça e eu ficar cantarolando e, de repente, ouvir o Vinícius dizer “meu amigo Baden Powell” assim, do nada, porque eu nunca sei bem em que parte da música ele apresenta o Baden Powell, eu nem sequer cantarolo a música inteira, apenas cantarolo sem pensar, mas esse trecho do ao vivo sempre vem.
Minha mãe me apresentou Vinícius de Moraes e Elvis Presley e Rita Lee e Secos e Molhados e Simon & Garfunkel e Lulu Santos e Queen.
Essas eram as músicas que ela ouvia enquanto fazia faxina quando eu era criança. Ela ouvia CDs naquele equipamento que chamávamos de som porque não era só rádio, tinha toca fitas e espaço pra ouvir vinil e caixas enormes de som. Muito chique para nossa casinha sem forro e com rejuntes mal feitos.
Ela ouvia CDs e apenas as músicas desses CDs eu coloco no Spotify quando quero ouvir Vinícius ou Secos e Molhados. Nem sei o que mais Simon & Garfunkel gravaram, nunca procurei, mas canto Hello, darkness, my old frieeend numa tristeza em um ritmo distante do samba mesmo quando estou feliz
A gente samba com sorriso no rosto mesmo sem saber mexer os pés sem embolotar, mas sorri e se diverte ouvindo letras cheias de sofrimento.
Ontem chorei pensando na partida do meu cachorro que era muito da minha mãe e me veio imediatamente Love me tender, love me true all my dreams fulfilled for my darlin’, Iove you and I always will e essa letra que eu achava um horror pensando em amor romântico pareceu se encaixar perfeitamente na minha saudade. Eu lembro exatamente do dia em que a mãe e eu decidimos chamar nosso filhotinho de cachorro de Elvis.
Quando a mãe foi conhecer o Rio de Janeiro e mandou uma foto no grupo do whatsapp sentada com o Vinícius de Morais, eu me emocionei porque ela pegava a mão do poeta e, pra mim, Vinicius de Moraes não é ninguém mais que o poeta da minha mãe.
Esses dias, minha mãe disse que a gente não sabe se precisava ou não passar por isso e não vem ao caso o que é o isso no contexto da minha vida, mas essa frase dela, dita com uma calma no peito, me pegou.
Eu, que sou de defender a inutilidade das coisas, mas que também sou de procurar os porquês da vida, fiquei pensativa. Tudo é efêmero nesse mundo e a gente fica tentando voltar para onde era confortável quando precisa ser forte e não sabe bem como voltar para o futuro quando precisa comemorar. É a mistura.
Uma amiga escreveu que olha a temperatura nas cidades onde os amigos moram e eu sei que ela olha a de Porto Alegre também. A gente busca caminhos para estar perto porque não é bem o forro da casa que importa, mas quem tá embaixo do teto.
A vida não é de brincadeira, amigo
A vida é a arte do encontro
Este texto foi enviado na minha newsletter, Faz Sentido?. Envio textos mensalmente por lá (às vezes alguns links vão junto) e, um tempinho depois, eles vêm pra cá. Então este é o #29 Faz sentido a vida ter trilha sonora? enviado em julho. Clica aqui para receber por email.