Faz sentido a casa não ser um lugar?
eu nunca subi até o sétimo andar desse prédio
eu demorei meses até percorrer todos os blocos do meu primeiro edifício
só fui lá quando precisei ir e nem me dei conta de que o Edifício Resmini chegava até uma parte tão profunda da quadra
eu sei exatamente onde o sol encosta a cada estação do ano
cada pedaço de madeira do piso que o reflete ou não
eu sei o cheiro do produto de limpeza que cobre o chão do corredor todas as manhãs
não faço ideia do nome, se é passado em um esfregão ou se é simplesmente o pano enrolado na vassoura ou no rodo
o zelador mergulha o pano-esfregão em um balde ou derrama o produto direto no chão?
esse cheiro foi a primeira coisa que me encantou no prédio quando cheguei aqui
a segunda foi o sol pela janela
a terceira foram os lustres
lustre de casa de vó
a vó que eu nunca vou ser
cheguei na rua e vi as portas todas abertas, o portão e a porta do prédio
alguém tava se mudando, chegando ou partindo
a gente chama de portão porque é de grade, mas é até menor que a porta do prédio
cheguei e tudo estava aberto e eu fui entrando e sentindo aquele cheiro de limpo, aquela umidade que vai secando rapidamente
subi as escadas curvadas com corrimão vermelho
parei em frente à porta e, assim que abri, o sol me colocou um sorriso no rosto.
o sol é uma das melhores companhias para se ter em casa.
a casa é um dos melhores refúgios para se ter na vida
aconchego para quem mora e para quem é bem-vinda pela moradora
um sofá voltado para uma poltrona
eu voltada pra ti
a gente conversa e ri cercadas pelas plantas que crescem como muitos sentimentos cresceram nessa casa
de todos os tipos
a casa da gente não é bem o espaço, é o que a gente constrói ali
gosto de pensar assim
a casa é lugar de liberdade, de aconchego e de paz
com isso a gente constrói a felicidade e enfrenta as tristezas
a casa não é lugar de disputas, é lugar de abrigo
como calça de moletom, pés descalços, brinquedo de gato, tapete torto, quadro na parede, livro marcado, vapor do chuveiro, cheiro de alho fritando, de pão tostando, barulho de ventilador, faca suja de margarina no fundo da pia enquanto uma montanha de louça limpa escorre no escorredor.
Este texto foi enviado na minha newsletter, Faz Sentido?. Envio textos mensalmente por lá (às vezes alguns links vão junto) e, um tempinho depois, eles vêm pra cá. Então este é o #25 Faz sentido a casa não ser um lugar? enviado em março. Clica aqui para receber por email.