Exceção

Laís Webber
3 min readDec 18, 2024

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Ontem eu queria escovar os rejuntes da cozinha até ficarem bem branquinhos. E escovei. Meia dúzia deles apenas. Eu tava lá terminando de passar pano no chão da cozinha e enxerguei aquele rejunte manchado. Me coloquei de joelhos e esfreguei todos aqueles que ficam bem ali na frente do fogão. Em seguida, eu ri.

Ontem tive aquele impulso de retomar a vida. De querer jogar fora toda a sujeira. Como se deixar o rejunte branco outra vez trouxesse a paz de volta pros dias. Como se uma cozinha cheirosa fosse capaz de colocar a vida em ordem de novo.

Ontem eu tava que nem o Emicida: lavando um banheiro, uma louça, querendo lavar a alma.

Ontem eu tava assim porque sexta as coisas começaram a melhorar.

O único combinado que eu tenho comigo mesma em relação a essa newsletter é que ela precisa ser enviada entre os dias 23 e 30 de cada mês. Eu vinha bem feliz a mais de dois anos cumprindo esse combinado. Em maio, com as enchentes e com muitas outras questões pessoais, pensei em não escrever, mas escrevi para manter um sentido de normalidade.

A de outubro, não escrevi. A de novembro, envio agora, já dezembro. Os últimos dois meses foram períodos de exceção e aceitar não escrever foi parte do processo de aceitar que não, não havia normalidade ali. Agora tento d e v a g a r retormar os dias

Aceitar a exceção foi o que me permitiu dar conta sem me cobrar tanto assim. Dar conta não dando. Mas escolhendo que malabares deixar cair enquanto equilibrava tantos outros. Jogando vários para cima e pedindo pra quem tava em volta ajudar a segurar.

Ontem eu limpei a cozinha, o fogão, fiz sabão líquido. O banheiro eu só varri. Lavei os potes e as caixas de areia dos gatos. Coloquei veneno pros cupins. Lavei, estendi, recolhi e guardei três maquinadas de roupa e ainda lavei a própria máquina no final. Mas, na sala de casa, eu nem passei pano.

Meio limpo e meio sujo, mas o suficiente para não me sentir soterrar durante a semana.

Não mandei Faz Sentido? em outubro, mas escrevi esse texto aqui, bem pessoal, que ajuda a entender o que tava rolando. Esse ano todo poderia ser de exceção.

Limpar o chão jamais seria uma prioridade.

Semana passada, o pior passou. Ainda sobrecarregada de demandas de todos os tipos. Mas já enxergando uma possibilidade de retomadas. A possibilidade de poder descansar em breve.

Viver um dia de cada vez é fundamental em momentos de exceção. Mas olhar só para o agora faz a gente dar conta só do agora — o que já é muito. Mas olhar simplesmente com esperança o que vem depois é preciso também. Eu tava com saudades.

Eu lavei muita roupa e esfreguei meia dúzia de rejuntes. O ideal não existe e a gente prioriza o que mais importa.

Este texto foi enviado na minha newsletter, Faz Sentido?. Envio textos mensalmente por lá (às vezes alguns links vão junto) e, um tempinho depois, eles vêm pra cá. Então este é o #32 Faz sentido aceitar um período de exceção? enviado em setembro. Clica aqui para receber por email.

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Laís Webber
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Written by Laís Webber

Jornalista e Professora e tudo isso é só uma pequena parte.

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