dia 61: amanhã fecham dois meses
acostumadas com certezas falsas.
dois meses não são sessenta dias.
ontem foram sessenta dias,
amanhã serão dois meses
e agora tudo o que existe é o hoje.
me apego às pequenas doses controláveis, mas sei que nada o é. confirmo a cada dia. me conheço e aprendo a lidar com não os pontos de virada dessa vida, mas sim com os sentimentos que vêm logo depois deles. mas nada é certo, nem isso.
a vida não é um filme em que eu sei que, se o copo com água ganhou foco, é porque vou derrubá-lo com a mochila enquanto entro em casa cheia de coisas tentando não encostar em nada, nem em mim.
tenho pensado em muitos textos possíveis e, diferente de tudo que digo sempre, começo sem rumo.
queria escrever sobre a diferença de estar sozinha — em casa durante uma pandemia — e de ser sozinha — na vida toda. a verdade é que não posso. não sou uma pessoa sozinha e não sei o que é ser, espero nunca descobrir. mas tem dias em que acordo assim e choro achando que esse recorte de vida é o todo e me sinto sozinha. é a vida sim, mas é um recorte. na pior das hipóteses um período de adaptação e vamos lá.
o pensamento que tem me trazido de volta é que, se eu sinto saudade das pessoas, é porque há pessoas para sentir saudade e, obrigada universo, elas estão vivas e bem e ficando nas suas casinhas e me mandando memes pelo instagram.
os memes são as amenidades do agora. não posso comentar uma coisa qualquer que vi na rua e me fez lembrar de ti, mas aquele meme que faz lembrar uma conversa filosofante que a gente teve em um dia qualquer a gente pode comentar.
não sei se solidão é uma escolha e agora não é solitude também.
não é nada disso como dois meses não são sessenta dias.
é algo ali no meio.
saudades de ficar sozinha em casa numa sexta de noite tomando chá por escolha própria.
a pandemia ressalta e extrapola muitos sentimentos reais, mas também aumenta pensamentos que não tem a ver com a realidade e nesses eu não quero colocar energia.
energia é coisa valiosa e, hoje, tá em falta por aqui.
talvez porque eu não sou apática e me assusto com tanta gente morrendo que chega a pesar o ar, talvez porque é mais difícil retroalimentar energia em casa sozinha, não dá pra ligar aqueles cabos que colocam de um carro pro outro até o motor pegar, então o motor tá sempre sempre ligado e cansa.
perdi o rumo aqui com essa metáfora automotiva que nem sei de onde veio. bicicleta mantém as pernas fortes e as minhas tão moles e saudosas da bici que virou quase decorativa.
talvez noventa dias sejam três meses, ou não. sei lá. a gente vai indo e vai descobrindo. o que importa é lembrar que um dia tatuei no braço que existe amor e um dia já achei a tatuagem brega, mas sempre é uma boa lembrança e hoje tá sendo sim.