brincar de casinha sem ser a mãe da boneca
Senti o primeiro friozinho do ano e fui em busca daquela camiseta larga para usar de calcinha em casa. Minha combinação de roupas preferida. Calcinha e camiseta. Camisetão. Macio. De algodão.
Puxei a camiseta e li fiscal vestibular ufrgs 2015 escrito em verde. Quando a gente é fiscal, recebe uns pilas pelo trabalho e duas camisetas. Meus pijamas raramente são comprados.
2015. Faz tempo. Eu tinha vinte e cinco anos e agora estou fazendo trinta e dois. Terceiro ano consecutivo em que a dezena é maior que a unidade.
No ano em que eu nasci, minha mãe completou trinta e dois anos. Não me vejo com dois filhos nos braços. Nem mesmo com um. Sempre achei estranha a ideia de engravidar, desde ter um serzinho dentro da barriga da gente, até a possibilidade de sair de lá alguém parecido contigo. Minhas bonecas sempre foram adotadas e, embora a adoção sempre tenha me parecido um caminho feliz, a maternidade nunca foi um sonho.
Me pergunto se até mesmo a possibilidade de adoção não tenha sido um caminho que encontrei para aceitar, desde piá, a ideia de não querer ser mãe em uma sociedade que diminui o ser mulher das mulheres sem filhos.
Eu sou mulher. Só não sou mãe nem quero ser.
Quero ter crianças que se tornarão adolescentes e depois adultos perto de mim. Quero ver pessoas se desenvolvendo. Mas não quero gestá-las e talvez nem queira adotá-las. Eu poderia ter sido a tia das minhas bonecas.
Já ouvi que ia chegar o momento em que eu sentiria o desejo — quase como um chamado divino — ou que quando eu casasse e meu marido quisesse as coisas mudariam — porque não é novidade que nossos corpos não nos pertencem e nossas escolhas não importam.
Com trinta e dois anos, minha mãe queria ser mãe. Com trinta e dois anos, eu quero o direito de escolher.
Este texto foi enviado na primeira edição da newsletter que criei, Faz Sentido?, junto com links relacionados. Enviarei textos mensalmente por lá e, um tempinho depois, eles vêm pra cá. Então este é o #1 Faz sentido brincar de casinha sem ser a mãe da boneca?. Clica aqui para receber por email.