a rita morreu
minha cachorra morreu.
quem me conhece deve estar pensando ‘ué, mas não eram dois gatos?’
quem me conhece melhor sabe que antes de morar com gatos eu morava em um sítio com alguns cachorros, onde meus pais moram até hoje.
minha cachorra morreu terça e, com ela, parte de mim se vai e muita saudade chega.
quando eu saí do sítio, em 2016, disse para minha mãe que sentiria muita falta dos cachorros e ela brincou de se ofender.
eram seis: rita, elvis, duda, leo, marronzinho e susie.
nesses seis anos, três deles já se foram. antes disso, muitos outros. já disse uma vez: a vantagem de crescer em sítio é ter amor por muitos bichos. a desvantagem é que eles morrem cedo e sentimos falta tantas vezes. o quincas soria desajeitado, a lilica e a preta andavam comigo pelo sítio carregando minhas mãos dentro da boca, a vilma levantava as orelhas e mexia a cabeça pro lado quando eu chorava.
da rita ainda é difícil falar no passado.
domingo minha mãe disse no telefone que a rita não tava muito bem, que a veterinária tinha ido ver.
terça eu tava almoçando sozinha, comia um sanduíche de grão de bico segurando o pote de plástico da marmita embaixo, sentada sozinha em um banco da faculdade, apoiei o celular no joelho para ver as mensagens, li na tela “mensagem no grupo da família: descansou”,. eu sabia que era a rita e eu não queria abrir o whatsapp.
era terça, eu estava sentada sozinha em um lugar público, eu tinha prova em menos de uma hora
era terça, eu não podia ser uma mulher chorando na rua, eu não podia estar desatenta e triste na hora da prova
era terça e a rita tinha morrido e o meu mundo devia poder parar para chorar a morte dela como eu choro agora
como eu chorei sozinha naquele banco secando o nariz no guardanapo do sanduíche
como eu chorei no ônibus lembrando
como eu chorei no banho assim que cheguei em casa
e como eu vou chorar todas as vezes em que cachorros morrerem porque eu vou lembrar que ela também morreu e vou sentir saudades.
minha mãe sempre disse que enterros doem mais porque desenterramos e enterramos de novo todos os nossos mortos.
essa semana, enterrei todos os meus
o marronzinho, a duda e a rita levam com eles parte do que era meu naquele sítio. descer do carro e ser recebida pelos seis me fazia sentir ainda em casa.
o elvis, a leo e a susie seguem lá e não vejo a hora de abraçá-los, de ficar com as mãos escuras de tanto fazer carinhos nesses peludos que rolam na terra.
cada cachorro é único. uma personalidade, um jeitinho, uma relação construída com a gente. a rita era forte e braba, controladora e ciumenta, amorosa e dengosa, carinha de faceira, olhos saltados. Ela amava ganhar carinho na barriga, mal dava tempo de afofar o pescoço ela já deitava. A rita tinha esse nome em homenagem à rita lee.
espero que tu tenha sido feliz com a gente, minha veinha.
susie, elvis, duda, leo, eu, rita.
Este texto foi enviado na sétima edição da newsletter que criei, Faz Sentido?, junto com links relacionados. Enviarei textos mensalmente por lá e, um tempinho depois, eles vêm pra cá. Então este é o #7 Faz sentido meu mundo não parar? Clica aqui para receber por email.